Resenha: Eles eram muitos cavalos
- Beatriz Lourençoni Monteiro
- 15 de jul. de 2021
- 3 min de leitura
O livro Eles eram muitos cavalos, escrito por Luiz Ruffato, é um romance fragmentado em 68 histórias sobre a famosa cidade de São Paulo. O autor consegue, de forma lúdica, desvendar não só a vida rotineira dos Paulistanos como também a cidade como um todo, fazendo referência à estrutura física e social da cidade.
Em cada fragmento é perceptível a mudança da escrita. Em uns a pontuação é usada de forma correta, auxiliando nas chamadas pausas de leitura. Já em outros a falta de vírgulas e demais pontuações torna a leitura mais corrida e acelerada. Esta última se encontra geralmente em histórias que se referem às classes mais baixas e ao trânsito da cidade, remetendo justamente a correria rotineira dos cidadãos.
A linguagem que utiliza é, na maioria dos fragmentos, informal e cotidiana. Bem realista até quando escreve algumas palavras consideradas por muitos como inapropriadas, palavras que não assustam um Paulista que as ouve ou diz todos os dias. A linguagem mais “certinha” é descrita em alguns contos sobre pessoas com uma melhor condição financeira.
O título do livro é baseado no poema de Cecília Meireles: “Eles eram muitos cavalos, mas ninguém mais sabe seus nomes, sua pelagem, sua origem...”. A maioria das personagens não é identificada com um nome próprio, o que induz o leitor a se colocar no lugar do personagem. Em muitas histórias costumamos a fazer isso, põem, no caso desse livro o choque é muito maior, pois a maioria das histórias retratadas, nunca imaginaríamos acontecer conosco ou ao nosso redor.
Durante a leitura, somos convidados a ter diversas experiências de diversas realidades inseridas no mesmo lugar e no mesmo dia. Em algumas o leitor se identifica mais do que outras, pois o autor não discriminou nenhuma forma de vida em cada história. Ouso escrever que qualquer um que ler essas histórias, mesmo que nunca tenha pisado em São Paulo, pode dizer que, em uma leitura, já viveu a experiência de ser Paulista.
Quem já se imaginou, como no fragmento 20, pensando que poderia ter sido melhor amigo de um vizinho que acabara de ser assassinado em um seqüestro relâmpago? De fato, o personagem estava distraído em seu condomínio com piscina, seus pertences e até em seu caso fora do casamento. Ele nunca pensou que poderia confidenciar todos esses fatos de sua vida a um suposto melhor amigo que nunca mais voltaria pra casa.
Quem nunca leu um dos livros descritos no fragmento “Uma estante”? Ou pelo menos, já sentiu vontade de ler? Provavelmente o leitor remete a memória sua leitura ou imagina mais um livro que gostaria de ler em sua estante do quarto.
Que esposa liga para a amante do marido e desabafa sua dor na secretária eletrônica? A do fragmento 25 com certeza deixou claro as fases da dor, desde a revolta até a aceitação. Cada um que lê esta história toma um lado, dependendo de suas experiências e convicções, o leitor pode se revoltar contra a amante ou defendê-la. Depende do ponto de vista de quem faz essa viagem por São Paulo.
Na história do rapaz que rouba para comprar o presente de dias das mães para sua mãe muitos gostariam de vê-lo na cadeia, outros até sentem compaixão, outros ainda não tem opinião sobre a situação. Depende do ponto de vista. O mesmo acontece com o segurança negro que aplaude o chefe por agredir outro cara negro vestido de forma mais simples que só queria comprar leite para o filho recém nascido. Depende do ponto de vista.
A pluralidade dessas histórias, dessas vidas e as diversas possibilidades de experiências e opiniões advindas do livro são o que tornam genial a forma de expressão do autor. Em um dia, uma pessoa de 18 anos pode viver uma vida com 30. Em um dia, um adulto formado e estável de vida pode viver como um garotinho sem pai em uma favela. Em um dia, um rico preconceituoso pode ser espancado na rua por falar do nome de Deus.
Por tantas experiências, boas ou ruins, que o livro traz, uma não é imaginária. A de que todos nós somos humanos e se pararmos para olhar, ou até mesmo ler, podemos viver o que o outro vive. Há muitas histórias sobre São Paulo escritas no papel, mas há muito mais se apenas olharmos pela janela.


Comentários